Decisão inédita do STF cria base para a discussão das mudanças climáticas
Por Guilherme Vinhas*
No dia 1º de julho, o STF julgou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF n. 708 proposta pelo PSB, PSOL, PT e a Rede Sustentabilidade, tendo como objeto a conduta omissiva do Governo Federal que paralisou o funcionamento do Fundo Clima em 2019. A paralisação do Fundo se deu através da mudança do seu comitê gestor pelo então Ministro Ricardo Salles. O Fundo Clima, gerido pelo BNDES, é um dos instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima e visa garantir recursos para projetos ou estudos relacionados a mitigação das mudanças climáticas.
O Ministro Luís Roberto Barroso, relator da ADPF, reconheceu que o governo tem o dever constitucional no enfrentamento às mudanças climáticas e que qualquer ação ou omissão no sentido contrário estará violando a Constituição Federal e os direitos humanos. Assim sendo, determinou em seu voto que a “União se abstenha de se omitir em fazer funcionar o Fundo Clima ou em destinar seus recursos”. A decisão foi tomada por maioria dos Ministros. O Ministro Nunes Marques apresentou voto divergente, em que defendeu a política de proteção do meio ambiente do atual Governo Federal, afirmando que ela vem sendo executada de forma “integrada e consistente pelos Ministérios do Meio Ambiente, da Defesa e da Ciência, Tecnologia e Inovações, entre outros”. O financiamento das medidas de mitigação das mudanças climáticas é um dos pilares da descarbonização da economia e do Acordo de Paris, daí a importância da decisão.
No entanto, fundamental foi o STF estabelecer um inédito debate e entendimento sobre a responsabilidade do Estado na garantia da segurança climática para as presentes e futuras gerações. A decisão, tomada com base no art 225 da CF, reconhece que as mudanças climáticas devem ser tuteladas pelo Estado e pelo STF, tendo em vista seu “status constitucional”. Segundo a decisão, esta tutela deve se estender ao Acordo de Paris, por força do previsto no art. 5º, Parágrafo 2º da CF, e isto foi de fundamental importância.
Uma das fragilidades do Acordo de Paris é justamente a falta de enforcement. A ausência de sanções facilitou as negociações que engajaram um número de países sem precedentes ao Acordo, mas criou uma fragilidade. Todos conhecemos a constrangedora pedalada climática perpetrada pelo atual Governo brasileiro, que ainda vigora sem consequências. Os negociadores apostam em negociações continuadas e pressões políticas e comerciais para fazer com que os países cumpram com as suas obrigações no Acordo.
No entanto, a litigância climática vem suprindo esta fragilidade do Acordo de Paris. Empresas e governos vêm sendo judicialmente obrigados a mitigar suas emissões de gases de efeito estufa e a alinhar as suas ações ao Acordo de Paris. E nesse sentido, parece evidente que a decisão do STF acima comentada inaugurou uma nova fase da litigância climática no Brasil.
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*Guilherme Vinhas é sócio do VRA Advogados, mestre em direito e atua em temas de direito regulatório, especialmente nos setores de petróleo e gás natural, biocombustíveis, transição energética e sustentabilidade.